Receitas Vegetarianas e Veganas
Bem-estarismo dá nisso!
Por Sônia T. FelipePatê de fois gras ético? Estou até agora pensando qual seria o princípio ético capaz de justificar que os humanos forcem animais de outras espécies a nascerem, a comerem alimentos não apropriados à saúde de seu fígado, para depois os matarem “eticamente”, usando recursos tecnológicos dos quais nenhum animal de outra espécie pode escapar, se é que algum da nossa espécie o conseguiria. Pelo feito aos judeus sob o regime nazista, parece que a possibilidade de chegar à liberdade saindo de uma câmara de gás é realmente ínfima. Imagine essa possibilidade para os patos e gansos criados no regime de engorda e degeneração do fígado para a produção do patê. Eles matam o animal depois de gerar em seu fígado a esteatose, inevitável em consequência da alimentação que os obrigam a ingerir.
E chamam isso de patê de fois gras ético? Se isso for ético, então o nazismo também o pode ser, pois também mataram judeus com gás, em vez de seguir executando-os a tiros, à beira de uma vala cavada previamente por eles.
É nisso que dá, defender tratamento bem-estarista para os animais, e ao mesmo tempo fingir que assassiná-los não tem nenhuma implicação ética. Só uma moral esquizofrênica pode lidar com tais práticas com naturalidade. E só uma moral esquizofrênica pode separar as duas questões, a da vida e a da morte, como se uma não tivesse qualquer ligação com a outra. Só uma moral esquizofrênica pode admitir que comer um animal morto a gás é moralmente justificável, enquanto comer um animal morto a tiro, ou degolado, não o é.
Da perspectiva do animal que foi morto a gás, a vida dele importava tanto para ele, quanto importa a vida para o animal morto a tiros, ou por degola. Da perspectiva do animal morto a tiro dentro de um abatedouro, a vida dele importa tanto para ele, quanto importa a vida, para um animal morto a tiro numa floresta.
Defensores do “bem-estar animal” se animam quando Brigitte Bardot faz campanha contra o extermínio de animais abandonados na rua em país do leste europeu. Revoltam-se quando alguém os lembra que essa senhora não faz campanha para abolir a produção de fois gras em seu próprio país. Nas mesmas páginas da ANDA onde comentários são publicados sobre a técnica de abate de cães em restaurantes na China, para consumo de carne fresca por parte dos comedores humanos, há xingamentos a todo o povo chinês, gente pedindo que sejam mortos como matam aqueles cães, gente pedindo que um vírus ataque toda a população da China e a dizime. Mas, esses mesmo internautas apegados a cães e gatos, nunca se pronunciaram sobre o fato de que porcos são colocados ainda vivos nas caldeiras com água fervente, e têm essa experiência, a da água fervendo em seus pulmões, como último gesto humano contra sua vida. Mas, daí a concluir que, então, se o animal for morto sem dor, o ato de matá-lo torna-se “ético”, é um salto acrobático que nenhuma ética genuína está preparada fisicamente para fazer.
Assim, em cada país parece que as pessoas estão muito à vontade quando abraçam a sua espécie predileta de bicho, e muito nervosas ficam quando um bicho da espécie que escolheram estimar é tratado de modo cruel em outro país. Esse especismo eletivo assola as mentes humanas ao redor do planeta, menos a mente dos veganos, que não discriminam nenhum animal por conta de sua espécie.
Para que o fígado de um ganso ou pato deforme de tal modo que se torne dilatado e mole, podendo ser transformado numa pasta macia para passar no pão e na torrada de humanos que já estão muito bem alimentados e não têm carência alguma de proteínas, nem de origem animal, nem de origem vegetal, o animal é submetido a uma dieta absolutamente fora do padrão específico que configura a dieta de sua espécie. Quando o sustento desse animal começa a pesar no bolso do produtor, ele “acelera” o processo de degeneração do fígado dos bichos, introduzindo quantidades imensas de comida por um tubo enfiado pela boca até o estômago do animal. Por natureza, o animal não comeria mais do que o suficiente para sentir-se satisfeito. Por ser fonte de lucro para os humanos, ele é forçado a comer o que não suportaria, se estivesse livre. No esforço de digerir esse alimento, o fígado vai deformando, inchando. Assim alcança o ponto desejado pelo “produtor”. O ponto desejado pelo comedor que compra o fois gras. O ponto não desejado pelo ganso ou pato cujo fígado incha. A ética, nesse momento, em que o fígado do animal foi deformado pelo manejo que visa vendê-lo, não é chamada a julgar.
Chamam de “orgânica” a nova técnica de fazer inchar o fígado dos animais. Eles têm seu organismo igualmente deformado pela dieta oferecida, rica em gordura vegetal e grãos. Eles têm sua vida igualmente ceifada. Eles foram forçados a nascer apenas porque têm um fígado sensível a alimentos inadequados. Eles acabarão do mesmo modo, mortos. Seus fígados inchados e deformados acabarão do mesmo modo triturados até formarem uma pasta (patê). Essa pasta será igualmente passada sobre torradas e pães. A vida dos gansos e patos, criados no sistema de confinamento tradicional pela indústria do patê de fois gras, e dos criados no “sistema orgânico”, têm para os humanos que os criam, para os que os matam, para os que compram o tal do patê, o mesmo valor: nenhum. Destituir a vida de um animal de qualquer valor, e depois classificar de ético o sistema de tirar a vida do animal de forma que ele não perceba os gestos que o abatem, e chamar a essas invenções de “orgânicas” e “éticas”, é chegar bem próximo do limite da decência humana.
Há quem mereça comer esse tipo de alimento. Mas, os animais não merecem ser transformados em delicatessem para atender a apetites dessa pequenez moral. Nenhum animal merece isso, não importa o tipo de iguaria cobiçada pelos humanos.
Na Alemanha, a produção do patê de fois gras foi abolida. Mas, a comercialização do patê de fois gras produzido na França, ainda não. Somado todo patê produzido no mundo, a França responde por dois terços dessa produção. Brigitte Bardot já afirmou que os árabes deterioram a finíssima cultura francesa com sua presença e valores. Mas, que eu saiba, não foram os muçulmanos quem inventaram enfiar comida garganta abaixo de um animal, para depois matá-lo e retirar seu fígado dilatado para fazer patê.
Aliás, pelos princípios religiosos muçulmanos, nenhum animal pode ser “desfigurado”. Nenhuma parte do corpo de um animal pode ser manipulada de modo a que perca o design de sua natureza específica. Quem são os bárbaros na “civilização” contemporânea?
Fonte - 25.11.2011
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