"A pecuária hoje é o maior agente de desmatamento da Amazônia" diz ministro do meio ambiente
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"A pecuária hoje é o maior agente de desmatamento da Amazônia" diz ministro do meio ambiente


Pecuaristas vão ter de 'entrar na linha', adverte Minc. Ele elogia boicote ao gado com origem em desmatamento recente. E se defende de quem o critica por aparecer demais na mídia.

"A pecuária hoje é o maior agente de desmatamento da Amazônia e quero dizer aos que representam este setor que entrem na linha ou vão se dar mal", diz, em entrevista exclusiva ao Globo Amazônia, o ministro do Meio ambiente, Carlos Minc. Ele fez o comentário a propósito do boicote de redes de supermercados à carne produzida no Pará, por causa da suposta ligação do produto com o desmatamento da floresta amazônica. A decisão desses supermercados teve base em investigações do Ministério Público Federal e da organização de defesa ambiental Greenpeace.

Na entrevista, Minc também detalha o programa de desenvolvimento que o governo lança nesta sexta-feira (19) nas cidades que mais desmataram a Amazônia recentemente e se defende de quem o critica por aparecer demais na mídia.

Globo Amazônia - O que é a operação Arco Verde/Terra Legal, que o senhor lança com o presidente Lula e outros sete ministros nesta sexta-feira?

Carlos Minc - Estamos combatendo o desmatamento na Amazônia. Conseguimos reduzir o desmatamento em 55% em comparação aos mesmos meses do ano anterior, pelos dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Como? Corte de crédito para desmatadores, leilão de boi e madeira pirata, triplicamos as operações, em suma, combatendo o crime ambiental. Você tem que dar às pessoas os meios de fazer o certo. Na Operação Arco Verde, o Ministério do Desenvolvimento Agrário dá o titulo da terra, o Banco da Amazônia (Basa) dá crédito para pequenos empreendimentos sustentáveis. Tem a pesca e a piscicultura: vamos colocar o peixe amazônico no lugar do boi pirata. O Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, vai entrar com o manejo florestal sustentável. A Embrapa dará orientação para uma boa agricultura de baixo impacto, que não invada áreas protegidas.

Globo Amazônia - Foi preparada uma espécie de caravana do governo, com caminhões que irão a estas cidades. Com uma operação itinerante , podemos esperar um resultado duradouro?

Minc - A operação é permanente. Isso é o lançamento. Você lança as bases, identifica as pessoas, coloca um posto do INSS, outro da Embrapa, cria critérios de sustentabilidade para o Basa e o Banco do Brasil investirem, escolhe as localidades mais propensas a receberem apoio para fazer manejo florestal. Depois o programa continua. Esta blitz inicial é para mapear e implantar. Depois vem a continuidade e a manutenção.

Globo Amazônia - O presidente Lula disse que vetaria “excessos” na MP de regularização fundiária da Amazônia, mas não especificou quais. Ele já disse ao senhor o que exatamente pretende vetar (clique aqui para entender a MP da Amazônia)?

Minc - Ele ouviu várias opiniões e deve tomar sua decisão definitiva até o dia 24. A ideia geral é manter o espírito inicial do projeto. Considero a regularização fundiária essencial para combater a violência da terra. Além disso, ela ajuda a combater o desmatamento. Um dos pontos da lei diz que quem ganhar o título e desmatar sua reserva legal ou área de preservação permanente perde a terra.

Globo Amazônia - Essa discussão em torno da MP 458 e de outras medidas colocou o senhor em choque com os ruralistas. O senhor reclamou que os projetos ambientais que chegam ao Congresso são tão modificados que perdem sua essência. Falta uma frente ambientalista mais ampla para conter esse tipo de modificação?

“O bom fiscal é o povo consciente.”

Minc - Temos uma frente ambientalista de mais de 200 deputados, mas, na hora do voto, contamos com uns 40 ou 50 deles. Por outro lado, a frente ruralista também não está com essa bola toda. Tentaram tirar as restrições ambientais da lei de regularização fundiária, e perderam de 190 a 90 na Câmara.

Não sou sectário em relação à grande agricultura. Eu me identifico com a pequena produção, acho que são nossos aliados principais. Agora, eu tenho uma tradição de diálogo com a grande produção. Tivemos um acordo com [o setor] da soja - a Moratória da Soja. Um mês atrás fizemos um balanço e eles cumpriram o acordo em 97%, ou seja, a soja deixou de ser problema de desmatamento da Amazônia.

O que está fora de controle? A pecuária. Quase fechamos um acordo com a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes). O presidente, Roberto Gianetti da Fonseca, esteve aqui três vezes. Quando começou a crise e quebrou o [frigorífico] Independência, eles roeram a corda do acordo. Só que a sociedade reagiu. Agora os supermercados estão pregando boicote - Wal-Mart, Pão de Açúcar. Até a Adidas não quer mais comprar couro para tênis de pecuarista que desmata a Amazônia. Acho isso muito bom. O bom fiscal é o povo consciente, o consumo consciente.

Globo Amazônia - O presidente da Abiec argumenta que é difícil para os frigoríficos controlar a origem do gado que compram. E ele aponta que o governo não ajuda a criar uma forma de rastreamento.

"A pecuária hoje é o maior agente de desmatamento da Amazônia."


Minc - Não é verdade que eles não sabem as fazendas que desmatam, porque no site do Ibama tem todas as fazendas embargadas. O que dizem é que há tantas fazendas embargadas, que teriam problemas em romper com grande parte de seus fornecedores.

O Conselho Monetário Nacional (CNM) aprovou um pacote de apoio aos frigoríficos. Até aí tudo bem: uma atividade importante deve ser apoiada. O BNDES e todos os bancos públicos assinaram conosco um protocolo verde pelo qual estão impedidos de financiar quem desmata. Fizemos um decreto que diz que o frigorífico que compra carne de uma fazenda que desmata a Amazônia é co-responsável. Por isso, se ele não desmata, mas compra carne de quem desmata, não pode receber um tostão de crédito do BNDES.

Com esse boicote dos supermercados e dos consumidores, eles vão entrar na linha, como todos os setores têm que entrar. A pecuária hoje é o maior agente de desmatamento da Amazônia e quero dizer aos que representam este setor que entrem na linha ou vão se dar mal.

Globo Amazônia - Ainda assim, a maioria das multas ambientais não é paga e temos casos de fazendas embargadas que continuam produzindo, com milhares de cabeças de gado, e vendendo para grandes frigoríficos. A fiscalização ambiental não consegue acabar com esse tipo de impunidade?

Minc - Estou há um ano no ministério. Os dados apresentados em reportagens recentes se referem ao período 1997 a 2006. Desde o primeiro dia em que entrei, escolhi o combate à impunidade como a linha-mestra do ministério. O que fizemos? Primeira coisa: cortar o crédito dos desmatadores. Segundo: decreto de crimes ambientais. Em vez de esperar o processo judicial, em que o cara enrolava a multa por cinco anos, a gente pega a madeira pirata, leiloa, e usa o dinheiro para empregar aqueles estavam trabalhando nas serrarias e carvoarias ilegais, para não ficarem desempregados e desmatarem 5 quilômetros adiante. Triplicamos a fiscalização. Criamos com o Ministério da Justiça a Coordenação Integrada de Combate aos Crimes Ambientais. Antes eu não podia convocar a Força Nacional para operações. Hoje posso. Já participei diretamente de 22 operações na Amazônia, todas com prisões, apreensões, embargos e leilões.

Globo Amazônia - O senhor participou pessoalmente de 22 ações de fiscalização. O Globo Amazônia acompanhou a Operação Caapora, em Nova Esperança do Piriá (PA). Foram fechadas 13 madeireiras ilegais no município e a população parecia decepcionada com o fato de o senhor ter visitado a cidade por cerca de uma hora junto com jornalistas, mas não ter falado à população local sobre o o encerramento da principal atividade econômica dali, ainda que ilegal.

Minc - Em primeiro lugar, estive três horas na cidade. Discuti com o prefeito, assinei um documento com ele e uma parte do dinheiro obtido com a venda da madeira ilegal foi para empregar essas pessoas que estavam em atividades ilegais. O prefeito esteve aqui e incluí, a seu pedido, esse município na Operação Arco Verde.

É muito fácil eu ficar no ar condicionado, em Brasília, dizendo faça isso, faça aquilo. Outra coisa é ir ver a dificuldade, que as pessoas estão lá na ponta, que o aparelho de comunicação não funciona, que não chegou a diária, que estão picados de mosquitos, que o carro do Ibama está crivado de balas. É importante para dar moral para a tropa. Além disso, para levar a imprensa e dar visibilidade - mostrar quem está combatendo o desmatamento e a impunidade, e a cara dos donos de serrarias e de fazendas que estão invadindo e desmatando.

Globo Amazônia - Ouvimos de funcionários do ministério que já ganhou até o apelido de “Indiana Minc”. O que acha disso?

Minc - Os apelidos são os mais variados. Como deputado estadual fiz muitas leis, mas sempre gostei muito da ação direta. Descobri que a maior parte das leis que fazíamos ninguém dava bola. Ninguém lê Diário Oficial. Então eu ia para as portas das fábricas com lixo químico simulado e dizia para cumprirem a lei do lixo químico. Fiz uma lei que obrigava os hotéis e motéis a darem três camisinhas a cada casal. Coloquei uma “camisona” de 18 metros no obelisco da Avenida Rio Branco [no Rio]. É claro que isso tem um lado folclórico e midiático assumido, mas, por outro lado, as pessoas percebem exatamente do que estamos falando. Ninguém sabia que tinha a lei da camisinha. Depois que botamos uma de 18 metros no obelisco, todo mundo passou a saber.

Globo Amazônia - Então, o senhor é um ministro midiático assumido?

Minc - Absolutamente assumido. Não tenho vergonha do que faço. E aquilo que sai no Diário Oficial e ninguém lê, ninguêm fica sabendo. O Ibama faz 300 operações por mês e a imprensa não cobre. Quando vou, há uma cobertura.

Globo Amazônia - Há um grande debate em torno da recuperação da rodovia BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, mas que está intransitável em praticamente metade dos seus cerca de 800 quilômetros. A obra está prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas ambientalistas temem que, por passar por uma região ainda intacta de floresta, pode abrir uma nova frente de desmatamento. Se dependesse do senhor, esta obra seria feita?

Minc - Minha opinião pessoal é contrária. Acho que, do ponto de vista do meio ambiente, a melhor solução é a recuperação da hidrovia do Rio Madeira. Agora, eu não sou ministro dos Transportes, nem governador do Amazonas, tampouco presidente da república. O governo querendo fazer a rodovia, minha posição passa a ser adotar todas as medidas para que ela não vire uma estrada da devastação da área mais preservada da Amazônia. Não posso permitir que a BR-319 vire uma segunda versão da Cuiabá-Santarém (BR-163, rodovia que, quando criada, acelerou fortemente o desmatamento no Pará).

Foi estabelecida uma série de condições muito rígidas para cada etapa [do licenciamento] (foi exigida a criação de mais de 100.000 km² de reservas, além de postos de controle do Exército e da Marinha ao longo da rodovia). Se isso tudo for feito antes da licença prévia, posso garantir que o nível de desmatamento será mínimo. Por pressão política, não sai licença. Ou se cumpre tudo, ou ela não sai.

Globo Amazônia - Na última sexta-feira, a revista “Science” trouxe um artigo que compara o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de municípios amazônicos em diferentes estágios de desmatamento. A principal conclusão é que os municípios totalmente desmatados apresentam indicadores de renda, escolaridade e expectativa de vida similares àqueles ainda muito conservados. Somente aqueles que estão no meio do processo de devastação apresentam algum ganho, ou seja, depois que a floresta é consumida, vem a pobreza novamente. Como fazer para quebrar esta busca pelo ganho com a floresta?

Minc - O estudo é muito bem feito. Podemos comparar [o desmatamento] com a atividade de mineração. Tira-se o ouro todo. Quando acaba, todo mundo fica pobre e vai embora. Sempre dou o exemplo da Finlândia, uma economia florestal de alto IDH que faz manejo florestal (exploração planejada da floresta, que permite que ela se recupere). Ela exporta móveis para o mundo inteiro e tem hoje a mesma cobertura florestal que tinha há cem anos. É possível fazer isso, mas não é o que se faz na Amazônia, onde a pessoa entra em terra que não é dela, não paga pela terra, não assina carteira, não paga multa e ri do nosso nariz. Hoje é mais fácil fazer a coisa errada que a certa. Temos que inverter esta equaçao econômica. Temos que impedir que o criminoso ambiental enriqueça com o produto de seu crime.

Por Dennis Barbosa, do Globo Amazônia - 19.06.2009
Fonte: G1 - Via Vista-se



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